BH Minha Cidade. Autor de um dos livros da coleção “A Cidade de Cada Um”, arquiteto revela sobre sua forte relação com a região
E o movimento passou a ser dos homens, a reconstruir barragens e a retirar com dragas e caminhões tanta terra para salvar sua criação, em lenta batalha contra os montes e as águas. O bucolismo de quem vê a calma horizontalidade das águas em contraste com os montes, a refletir não as curvas dos córregos, mas as curvas criadas pelo homem, não sabe que ali se esconde uma luta e uma celebração: a luta do homem para criar seus lugares e a celebração do belo que vem do diálogo que o homem faz com a natureza. Sejam bem-vindos à Pampulha.
Assim o arquiteto Flávio Carsalade resume o seu livro “Pampulha”, que faz parte da coleção “A Cidade de Cada Um”, idealizada pela Conceito Editorial e que propõe uma viagem sentimental pelas ruas, bairros e espaços de Belo Horizonte, para desvendar não só a geografia, mas também a alma, o sabor e as cores da cidade.
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Mestre e doutor em arquitetura e urbanismo, Carsalade é hoje professor da UFMG e conhece muito bem a Pampulha. Embora não seja morador da região, já foi secretário municipal de Administração Urbana Regional Pampulha da Prefeitura de Belo Horizonte entre 2004 e 2007 e, por isso, tem uma relação muito próxima com a região.
Nesta entrevista ao JORNAL DA CIDADE, ele mostra toda o seu conhecimento sobre a Pampulha.
JORNAL DA CIDADE Por que escrever um livro sobre a Pampulha?
FLÁVIO CARSALADE A Pampulha é o grande ícone de Belo Horizonte. Lugar que a população da cidade tem o maior carinho e que é por ela associado a qualidade de vida e lazer, onde as pessoas vão para passear e praticar esportes e os que moram nela, se sentem gratificados pelo ambiente local. Historicamente ela vem reafirmar a nossa modernidade nos anos 1940, já que Belo Horizonte nascera, ao final do Século XX, como a cidade moderna por excelência. Em nosso imaginário, BH é sempre esta cidade moderna, atual, contemporânea e a Pampulha é signo de tudo isto. Embora construída nos anos 1940, ela nunca perdeu seu ar futurista. Escrever sobre a Pampulha é celebrar a nossa cidadania belo-horizontina.
Qual foi o fato mais curioso que você descobriu sobre a Pampulha durante a produção do livro?
Há muito tempo venho pesquisando sobre a Pampulha e desde sempre aparecem novas faces curiosas. Talvez para o grande público o que possa surpreender é que, embora a Pampulha pareça um conjunto íntegro, ela nunca funcionou com seus quatro grandes edifícios simultaneamente e, mesmo aqueles que assim o fizeram, tiveram vida muito curta. O conjunto foi inaugurado em 1943 e em 1946 o jogo foi proibido no Brasil, fazendo o Cassino (Museu de Arte da Pampulha) cair na inatividade e, com ele, também a Casa do Baile. Nesse período, a igreja permaneceu fechada pela recusa da Arquidiocese em sagrá-la. Os anos dourados da Pampulha, auge do cassino, duraram apenas três anos, mas no imaginário popular o glamour parece ter durado mais tempo.
Você acha que a atmosfera da região na época em foi criada é a mesma de hoje? Ainda há magia na Pampulha?
A Pampulha é sempre mágica. Até hoje, como disse anteriormente, os prédios causam espanto e parecem futuristas. Para mim, é o auge de Oscar Niemeyer e Burle Marx. Surpreende aqueles que nos visitam e encantam repetidas vezes os da terra. Até a poluição da lagoa, apesar do mau cheiro e dos aguapés que, às vezes, aprecem, é mais suave no trecho da lagoa onde estão os quatro principais prédios de Niemeyer. A situação na outra metade do lago é bem diferente, mas a criação do Parque Ecológico luta bravamente contra a degradação das águas e propõe um novo local de apropriação urbana na região.
O JORNAL DA CIDADE está completando 60 anos. Como era a Pampulha de 60 anos atrás?
Estamos falando dos anos 1960. Nessa década, a Pampulha reafirmava sua vocação de lazer e esportes com a construção do Mineirão (1965), com o uso náutico da lagoa por lanchas particulares, com seus novos restaurantes. Nesse momento a cidade adorava passear na Pampulha e a poluição ainda não se assentara com a força dos anos 1980.
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Qual será o futuro da Pampulha na sua opinião para daqui a 60 anos?
O fato de ter sido considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco reforçou a agenda preservacionista do local e atraiu para ela os olhares do mundo. O futuro a Deus pertence, diz o dito popular, mas penso que, na verdade, ele pertence aos humanos, ao que nós faremos com ele. Por isso, a resposta à sua pergunta é: depende de nossas ações. Se soubermos preservá-la, incentivarmos práticas sustentáveis, continuarmos fazendo-a atrativa, impedindo usos e ocupações predatórias, ela será cada vez mais presente.
Mas se, ao contrário, não tomarmos medidas como a poluição difusa e a sua constante manutenção, se não cuidarmos da bacia que alimenta as águas, seu futuro será não o de um lago, mas de um parque no lugar onde hoje estão as águas, futuro certo de qualquer lago urbano sujeito a pressões metropolitanas, segundo muitos sanitaristas.
Embora não more na Pampulha, qual sua relação com ela?
Não moro na Pampulha, é verdade. Mas preservo para mim o gosto de nela poder passear, como alternativa de lugar. Mas reconheço a grande qualidade que é morar na Pampulha e muitas vezes cogitei em fazê-lo. Mas a vida acaba nos levando para lugares que às vezes a gente não espera, nem planeja. Morar na Pampulha é morar em um jardim.
Quais lugares na Pampulha são imperdíveis na sua opinião?
Todo o lago é imperdível. Também seus bons restaurantes são imperdíveis. Não ir ao Mineirão em dias de jogos é perder parte da emoção da vida. O campus da UFMG é um dos seus locais maravilhosos. Seus clubes são muito atrativos e gostosos. O Zoo é imperdível para as crianças. O Parque Ecológico veio a oferecer uma bela opção de lazer a quem visita à região, ainda mais sendo a orla tão estreita. Além do mais, é a única parte plana de BH, né? Viver a Pampulha é viver BH.