Amor de mãe. Lá em casa, dia de jogo sempre foi dia de festa
Eu, confesso, nunca entendi nada (mas nada mesmo) de futebol, mas adorava domingo de clássico e o som do interfone que a todo instante anunciava: vai ter junta-junta. Vovô era sempre o primeiro a chegar e o único que não fazia barulho. O resto da parentada de descendência italiana mal passava pela porta e já começava a bagunça. Somos uma família barulhenta. Gente que fala alto, gargalha, gesticula como se tivesse brigando. Na hora de xingar juiz então, meu Deus, minha torcida ia para os anjos tamparem os ouvidos.
Cresci assim. Com a casa se transformando em arquibancada em dias de futebol. No intervalo, todo mundo ia para a mesa enorme saborear o café medroso, como costumava dizer seu Possato. “Café medroso, vô?” Um dia perguntei. “É café que vem acompanhado, minha neta.” Eu olhei para mesa farta e entendi: broa, pão de queijo, queijo, pão, rosca, biscoito e etc. Cada um trazia o que tinha em casa e o café rapidinho ficava medroso.
Em Minas, a rivalidade é entre Cruzeiro e Atlético. Quando tinha jogo, minha casa sempre ficava mais azul. Sim, minha família é quase toda cruzeirense. “O maior dos gramados”, cresci ouvindo meu pai dizer. Mesmo sem compreender a dinâmica da bola, acabei me vestindo de azul também: “o manto sagrado”.
Os anos se passaram, sai de casa, me casei e tive dois filhos. Dois homens, que não demoraram muito a ganhar o uniforme de cinco estrelas. Enzo e Francisco mal sabiam falar e o avô já se punha à postos para ensinar as sílabas mais importantes do dicionário: zê-ro! Eu achava graça, mas alertava: “pai, eles podem escolher o time que quiserem.” Ele torcia o nariz, sem jamais considerar a hipótese de ter os primeiros netos homens torcendo para o time rival.
Por que é tão difícil deixar quem a gente ama escolher os próprios caminhos? Carregamos uma certa arrogância ao acreditar que sabemos o que é melhor para o outro. Mesmo com boa intenção, muitas vezes sufocamos escolhas que jamais deveriam ser nossas. Projetamos, no outro, desejos, sonhos, projetos, até time de futebol. Nos sentimos no direito de assumir a direção de um roteiro que não é nosso.
Meus filhos? São cruzeirenses, para o orgulho do avô. Para o orgulho de mãe basta que sejam capazes de fazer as próprias escolhas. Eles são os donos da bola e podem tocá-la para o lado que quiserem. Fico na arquibancada torcendo para que o lado seja sempre o da verdade, do respeito, da empatia, do amor. Se a bola desviar demais vou gritar, claro. Sou sócia-torcedora. Vou comemorar vitórias, chorar derrotas. Mas não posso entrar em campo. Esse jogo não é meu. Serei torcida, juíza, bandeirinha, treinadora, mas só chuta para o gol quem está nos gramados.
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