Entrevista. Psicóloga ressalta como a parentalidade positiva e ativa pode ajudar na construção da personalidade das crianças
O envolvimento dos pais está ligado a crianças mais felizes e saudáveis. É que o diz o State of the World’s Fathers, único relatório global do mundo sobre o envolvimento dos homens na paternidade e no trabalho de cuidados. A conclusão tem a concordância da psicóloga, educadora parental e palestrante, Fernanda Teles.
Para ela, a importância da paternidade ativa e como a parentalidade positiva pode ajudar na construção de uma relação firme, gentil, amorosa e respeitosa. Nesta entrevista ao JORNAL DA CIDADE, ela revela um pouco mais quem são esses novos pais.
Aquela imagem do pai provedor, que não participa do dia a dia do filho está sendo abandonada. Quem são os pais de hoje?
Historicamente, até ao fim do século passado, o pai desempenhava quase que exclusivamente uma função disciplinadora, seguindo critérios frequentemente rígidos e repressivos. Mas as mulheres foram ingressando no mercado de trabalho, os arranjos familiares foram se modificando e nesta nova redistribuição igualitária dos papéis parentais, o homem como marido e como pai tem sido o principal alvo de transformação. Muito se tem falado sobre a “nova paternidade”, um pai com um desejo maior de envolvimento no desenvolvimento dos filhos, nas atividades cotidianas da criança, de maior apoio na gestação e pós-parto da mulher e uma maior proximidade e afeto na relação pai-bebê-filho (a).
Em que deve se basear a construção da identidade paterna?
Todos os pais procuram, a partir dos seus recursos psíquicos, construir uma autoimagem positiva em constante negociação com os seus diversos grupos de pertença e suas respectivas expectativas. Essa interface é muito importante para a construção da identidade paterna. O papel das esposas/companheiras, os amigos, o trabalho e, principalmente, seus próprios pais são essenciais nessa edificação. Esse “novo homem” está em evolução e é possível ver mudanças notórias. Esse homem está muito mais interessado do que ser só o provedor financeiro. Esse “novo pai” quer ocupar um papel de provedor emocional. Para isso, a esposa, os amigos e o trabalho também precisam caminhar juntos com esse novo pai. É uma evolução social.
Quais são os benefícios, a médio e longo prazo, para o filho que tem um pai ativo, que vivencia e participa de todos os momentos?
A figura paterna tem uma representação extraordinária na formação de um indivíduo. Ela exerce a função de mediar as experiências do filho com o mundo, dando a ele a oportunidade de conviver com modelos comportamentais que poderão servir de exemplo de interação com o ambiente de forma respeitosa, ajustada, equilibrada e amorosa. Se uma criança tem uma figura paterna extremamente autoritária e agressiva, por exemplo, pode ser assim que ele aprenda a se relacionar com todos à sua volta, podendo repetir esse padrão futuramente.
O que é parentalidade positiva e de que forma ela auxilia nas relações entre pais e filhos?
O homem, ao se tornar pai, recebe um convite para mergulhar pra dentro de si, transformar a si e as relações ao seu redor. A parentalidade positiva, ativa e mais afetiva, colabora nesse processo de tomada de consciência da importância de uma educação firme, gentil, amorosa e respeitosa, revelando ao pai que ele será autoridade na vida do seu filho sem precisar ser autoritário. O pai é chamado a ressignificar suas experiências vividas dentro de uma sociedade patriarcal, quebrar ciclos de uma educação punitiva.
O que você tem observado no convívio familiar durante a pandemia e os desafios que os pais têm enfrentado?
As famílias estão perdendo uma oportunidade única: estar verdadeiramente com as pessoas mais importantes da sua vida. Vejo filhos vivendo 24 horas com seus pais, mas abandonados afetivamente. Não falta comida e nem televisão, mas há uma carência enorme de relações de afeto, respeito, gentileza, da construção de um vínculo seguro. Vejo pais estressados, ocupados, altamente conectados com as telas e perdendo a chance de assumir os papéis parentais na íntegra. Essa situação contribui para o aumento dos índices de depressão e ansiedade. A indisponibilidade física e, principalmente, emocional causam uma sensação de não pertença, de não aceitação e as pessoas estão confinadas com seus familiares, mas se sentem sozinhas, já que não há trocas afetivas de qualidade. Os pais precisam entender que dar atenção é muito diferente de atender todas as demandas das crianças e dos adolescentes. É possível ser empático, acolher, ouvir e não concordar. Não estou falando sobre a quantidade de tempo, mas sobre qualidade: se a gente consegue um tempinho, mas com presença genuína, longe de distrações, das telas, isso já evitará muitos desafios dentro do lar.
FOTO / Arquivo Pessoal
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