Vida a dois, por Cristina Santos. Como você sabe quais são os casais casados em um restaurante?
Em uma palestra, eu coloquei, para a plateia, com pessoas de diferentes gêneros, essa pergunta: “como vocês sabem quais são os casais casados em um restaurante?” E ainda que de idades, profissões e origens também diferentes, a resposta foi a mesma. No início fez-se uma pausa um pouco longa e de introspecção, mas logo expressaram o pensamento: “Esses casais não conversam um com o outro”. Ainda veio uma complementação dizendo que muitas vezes esses casais apresentam um semblante fechado e o olhar baixo, direcionado para o prato, sem olharem um para o outro.
E como vocês sabem quais são os casais que estão namorando? A resposta geral veio rápida, já que agora eles tinham uma referência: “Eles conversam um com o outro”, “Eles fixam o olhar um no outro”, “Eles se tocam” e “Continuam saindo e bebendo cerveja juntos”(este último como amigos que têm muito a conversar).
Frequentemente, os novos casais conversam sem parar, enquanto os que estão em casamentos mais longos ficam em silêncio.
Quando você ainda não alcançou uma autonomia significativa, que lhe traga uma autoconfiança, você depende da validação de outras pessoas e do olhar dessas pessoas para ver a si próprio. Por isso, quando se está namorando, as conversas tem como função diminuir as ansiedades provocadas pelo receio de ser rejeitado, pois ficam menos mal entendidos, e mantêm abertas as possibilidades do relacionamento começar e continuar. Discutir diferenças, nesse momento, e criar silêncios constrangedores, não é uma boa estratégia para quem quer um segundo encontro. Casais jovens conversam feito maritacas, porque eles estão se firmando e reafirmando, cada um como pessoa, e ainda buscando afinidades e união.
E a terceira pergunta: “por que os casais, que já estão casados, não conversam, perderam essa capacidade de se comunicar?”
As respostas vieram devagar novamente. As pessoas da plateia pareciam estar pensando (“por que nós não conversamos?”). “Eles não têm nada para dizer um ao outro”, “eles já disseram tudo”, “eles se conhecem tão bem, que nada mais precisa ser dito”. Então, chamei a atenção para o ponto que o silêncio, frequentemente, é mais frio e distante do que aconchegante e íntimo. Ele não é a quietude e a tranquilidade de períodos longos da intimidade. Imediatamente as pessoas perceberam que eu estava levando o assunto para uma outra questão: nós experimentamos esse silêncio conjugal quando alienados ou quando a comunicação está deficiente.
Quando fiz a pergunta uma segunda vez, uns poucos, em toda a plateia, trouxeram à tona uma difícil verdade: “eles não querem ouvir o que o parceiro tem a dizer”. E aí veio a pergunta crucial: “como você sabe que você não quer ouvir o que seu parceiro tem a dizer?” A resposta foi: “porque você já sabe o que ele vai dizer”. O que nós chamamos de “falta de comunicação” é muitas vezes apenas o oposto: se você realmente sabe que “não pode se comunicar”, você não saberia que você não quer ouvir o que seu parceiro tem a dizer. O silêncio dos casamentos é o testemunho da “boa comunicação”: cada cônjuge sabe que o outro não quer ouvir o que se passa na sua cabeça. E essa é uma crença forte o suficiente para impedir que o diálogo aconteça de forma curiosa e interessada entre os dois.
Fica aqui o desafio, para refletir, dessa dificuldade de comunicação entre os casais e as verdades congeladas em cada um, como se não pudessem sair dessa indiferença. Pequenos movimentos podem fazer grandes mudanças, mas primeiro é preciso acreditar que as pessoas se desenvolvem, crescem, evoluem e, assim como o ser humano não é estático, podem começar a pensar diferente e fazer descobertas em qualquer momento de suas vidas.
Quem aí ainda acredita que sabe exatamente o que se passa com a pessoa que está ao seu lado, sabe exatamente o que ela pensa a ponto de não se interessar e não precisar ouvi-la? Nem com bola de cristal.
Conversando e conhecendo o outro é que vamos, a cada dia, redescobrindo e reinventando essa parceria maravilhosa e tão cheia de encantos e encontros que é a vida a dois.