Amor de Mãe. Dia desses bateu um desassossego danado no peito. No meio da tarde, sem aviso, entre um gole e outro de café
Deu até tremedeira nas pernas. Fui invadida por uma certeza absurda: não posso morrer. Pensei em cada detalhe da brutalidade dessa ausência na vida dos meus filhos. Quem vai dar o aconchego rotineiro do boa noite? Quem garantiria a benção diária? A correção dos erros na medida do amor é coisa de mãe e de mais ninguém. Ai, meu Deus! Só eu entendo o significado de cada olhar, das palavras não ditas, do sorriso de canto de boca. Não, definitivamente, não posso partir.
O café sem açúcar ficou ainda mais amargo ao imaginar a adolescência. Como seria não testemunhar os primeiros amores? Imaginei cada confidência, cada descoberta, as intermináveis filosofias sobre a vida que ficariam pelo caminho.
Pulei o pensamento para vida adulta tentando um acalento. Não achei. Não, eles não poderiam seguir sem mim. A faculdade, a experiência de viver em outro país, as dores do amor, as madrugadas na balada, a formatura. Tem muita coisa pra compartilhar. Muito sonho para viver junto.
A essa altura já não havia prazer no café. Emburrei o rosto e me voltei pra Deus. Deus, nem pense nisso. Se está escrito aí no meu destino, por favor, apague. Juro que rezo o terço todos os dias, pago qualquer promessa que precisar. Mas não me tire de perto dos meus filhos.
A lágrima escorreu quando me dei conta de que mãe não tem direito de morrer. Todo filho que nasce deveria trazer junto um certificado do céu garantindo a vida materna enquanto houver precisão. Seria o justo. Doeu lembrar que a vida nem sempre é justa. Doeu lembrar que o controle não nos cabe. Doeu perceber a finitude.
Naquela tarde estranha, tratei de comer logo o chocolate que acompanhava o café para trazer de volta a doçura dos pensamentos. Fui pra casa, abracei meus filhos por um longo tempo e refiz meu compromisso de ser a melhor mãe que eu posso agora. Plantar sementes que germinem no tempo da colheita. Estar presente, no presente, fortalecendo os laços do coração. Os únicos que jamais serão desfeitos.