Jornal da Cidade BH | Notícia boa também dá audiência!

Certificado do céu

18 de outubro, 2018
Texto: Viviane Possato
Jornal da Cidade BH Notícia boa também dá audiência!

Amor de Mãe. Dia desses bateu um desassossego danado no peito. No meio da tarde, sem aviso, entre um gole e outro de café

Deu até tremedeira nas pernas. Fui invadida por uma certeza absurda: não posso morrer. Pensei em cada detalhe da brutalidade dessa ausência na vida dos meus filhos. Quem vai dar o aconchego rotineiro do boa noite? Quem garantiria a benção diária? A correção dos erros na medida do amor é coisa de mãe e de mais ninguém. Ai, meu Deus! Só eu entendo o significado de cada olhar, das palavras não ditas, do sorriso de canto de boca. Não, definitivamente, não posso partir.

O café sem açúcar ficou ainda mais amargo ao imaginar a adolescência. Como seria não testemunhar os primeiros amores? Imaginei cada confidência, cada descoberta, as intermináveis filosofias sobre a vida que ficariam pelo caminho.
Pulei o pensamento para vida adulta tentando um acalento. Não achei. Não, eles não poderiam seguir sem mim. A faculdade, a experiência de viver em outro país, as dores do amor, as madrugadas na balada, a formatura. Tem muita coisa pra compartilhar. Muito sonho para viver junto.

A essa altura já não havia prazer no café. Emburrei o rosto e me voltei pra Deus. Deus, nem pense nisso. Se está escrito aí no meu destino, por favor, apague. Juro que rezo o terço todos os dias, pago qualquer promessa que precisar. Mas não me tire de perto dos meus filhos.

A lágrima escorreu quando me dei conta de que mãe não tem direito de morrer. Todo filho que nasce deveria trazer junto um certificado do céu garantindo a vida materna enquanto houver precisão. Seria o justo. Doeu lembrar que a vida nem sempre é justa. Doeu lembrar que o controle não nos cabe. Doeu perceber a finitude.

Naquela tarde estranha, tratei de comer logo o chocolate que acompanhava o café para trazer de volta a doçura dos pensamentos. Fui pra casa, abracei meus filhos por um longo tempo e refiz meu compromisso de ser a melhor mãe que eu posso agora. Plantar sementes que germinem no tempo da colheita. Estar presente, no presente, fortalecendo os laços do coração. Os únicos que jamais serão desfeitos.